O pacote.
Ela segura um cãozinho branco pela trela. Ligeiramente maior que o menino das alianças. Peludo. Com um laçarote vermelho ao pescoço. Veste calças castanhas sujas, uma camisola de lã velha e o cabelo penteado para trás, preso com dois ganchos brilhantes.
‘Ó Amadeu, nem digas isso. Por amor de Deus. Eu não te fazia uma coisa dessas. Há quantos anos é que me conheces. Procura melhor. Foda-se. Juro-te que não fui eu. Tem que estar aí. Procura melhor…. ó Amadeu, vai-te foder. Já me conheces há muito tempo. Eu não te fazia isso!’
O Amadeu enfurecido. Vagamente calvo. Calças de ganga, botas pretas e um casaco a cair pelos ombros. A mão direita a coçar com violência o braço esquerdo. Tem os olhos fixos no chão, mas com dificuldade em se concentrar num só ponto.
‘Não está aqui. Eu deixei cair aqui. O chão não é furado. Que é que queres que eu faça. Tu não viste? Vais-me dizer que desapareceu. Puta que te pariu. Estás a ver o pacote em algum lado?’
Ela a caminhar dois passos para a frente e dois para trás.
‘Foda-se Amadeu. Eu não te fazia isso. Procura melhor. O pacote tem de estar aí. Caralho, Amadeu!’
O Amadeu está desesperado. Vai-se embora a tremer. Não consegue procurar mais. ‘Vai-te foder, grande puta.’
Ela fica parada. Ar sério, mas a fingir.
‘Não te vás embora Amadeu. Procura melhor. O pacote tem que estar aqui.’
O Amadeu foi mesmo embora, foi comprar outro pacote.
O cão continuou a passear, mais agitado pelos gritos.
‘Vai te foder Amadeu. Mete menos branca.’