Casimiro II.
Levantou-se da cadeira. Fixou um ponto no meio do rio. Não sei, não sabe ninguém porque canto o fado neste tom magoado de dor e de pranto... O sol ainda ia alto. A meio do verso fechou os olhos e os corações começaram a bater ao ritmo lento da canção. Embalados. Os barris de cerveja e os garrafões de vinho estavam cheios. E toda a gente se calou para ouvir a melhor voz das redondezas.
...foi deus que me pôs no peito um rosário de penas que vou desfiando e choro a cantar... Não pararam de chegar pessoas. Carros estacionados em segunda fila. Autocarros cheios. A Flor do Gás a descarregar pessoas continuamente. O Largo do Ouro ficou a abarrotar. Crianças esmagadas, mulheres grávidas em trabalho de parto, ressacas suspensas por alguns minutos.
Se canto, não sei o que canto, misto de ventura saudade e ternura e talvez amor... A voz do Casimiro elevou-se do Largo do Ouro até ao céu, as torres do Aleixo tremeram, as marés atrasaram-se e esqueceu-se o S. João para na memória ficar ‘o dia em que o Casimiro cantou, finalmente, no bairro que o viu nascer.’
...sinto o mesmo que quando se tem um desgosto e o pranto do rosto nos deixa melhor...
4 Comments:
Acho que já li o seu blogue, de uma ponta á outra, várias vezes. Não sei se mora no bairro. Não interessa. Consegue retratar de forma notável uma realidade, que eu bem conheço, se bem que de outros bairros e outras cidades... Acho natural que use laivos de fantasia. O que pretende é contar uma história, não escrever artigos jornalisticos. Parece-me que está encontrado o Irvine Welsh português...
By Anónimo, at 2:05 da manhã
Obrigado pelo elogio. (É um elogio, não é?)
Tenho algumas dúvidas quanto à 'forma notável' a que se refere, mas fico contente por ter lido estes textos várias vezes. Isso é que é verdadeiramente notável.
By Hélder Sousa, at 3:33 da tarde
Flor do gás...
By merdinhas, at 9:51 da manhã
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By Anónimo, at 12:18 da manhã
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