Irmãos II.
Fizeram uma aposta. Não consumir nada durante uma semana. Só álcool. Vinho de preferência. Selaram a combinação com um abraço discreto e pouco apertado.
Até terminar o prazo vão passar as tardes na Rua do Ouro a apanhar sol e a beber. A beber e a olhar para o rio. A pele vai ficar escura e seca. As barbas e os cabelos vão ficar queimados nas pontas, ligeiramente mais claros. Não vão falar com ninguém.
Sentam-se num café ou no passeio, mesmo junto ao rio. Gostam da água escura e do sol a brilhar. Gostam de imaginar peixes e sentir o ar que vem do lado do mar. ‘A água não parece leite, pois não?’ ‘Isso é bom. Não parecer leite’. Vão sorrir quando quiserem. O sol e o calor exigem muitos líquidos. Muito vinho comprado em pacotes de um litro ou em garrafões sem rótulo.
Vão sentir calor, vão sentir sede, vão sentir dores e espasmos. Num dia pior, um deles vai vomitar durante muito tempo e vai pensar em desistir. ‘Já só faltam dois dias. Passa depressa. Queres comer alguma coisa?’ Mas a comida não estava nos planos nem no orçamento.
Quando acordarem no hospital lembrar-se-ão de um sol abrasador a reflectir no rio. ‘De um lado sinto o ar fresco, do outro lado consigo ver a ponte.’
No hospital vão confirmar o parentesco. Um chama-se Artur, como sabemos, o outro, conhecido por Pato, é o Miguel.
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