No Bairro do Aleixo

domingo, maio 08, 2005

Zé Rosinhas.

Existem demasiados Josés no Bairro do Aleixo, por isso utilizaremos só Rosinhas.
É feio, tem os dentes tortos e solta demasiados perdigotos quando fala. Tem o cabelo comprido, com caracóis ligeiramente oleosos, voz nasalada e, apesar disso, gosta de falar. Alguns amigos dizem que ele ouve mal, que é por isso que nunca percebe o que lhe dizem.
Cresceu no Bairro mas estudou na Baixa e ainda hoje é lá que está a maior parte dos seus amigos. O seu grande problema é as mulheres. Tem quase trinta anos e não consegue ter nenhuma namorada. Por mais que tente, todas as aproximações que faz correm mal. Um dia sugeriram-lhe que tentasse os homens, talvez a sorte mudasse.
Ele ficou chateado, se calhar também não ouviu bem o que lhe disseram, e continuou a insistir. Desilusão atrás de desilusão. Não é católico, mas tem fé. Tem fé em si e no seu talento. Costuma dizer que um dia a sorte vai mudar, que um dia alguém vai reconhecer as suas qualidades, que um dia vai ser artista. Até esse dia chegar, investe tudo o que tem numa editora de livros caseiros com nome próprio. Publica os seus poemas e outros escritos de amigos que gostam dele e o admiram pela boa droga que ele arranja. ‘A droga deve ser usada para apurar os sentidos’, está sempre a dizer.
Dizem que não se dá com o Joquinha das Claquetas, ou talvez seja o Joquinha que não se dá com ele. São rivais no monopólio do talento futuro do Bairro do Aleixo. O Rosinhas frequenta os cafés históricos da Baixa e lê livros em segunda mão, o Joquinha vê filmes em línguas europeias e compra t-shirts em lojas caras. O Rosinhas anda sempre com um caderninho gasto onde escreve palavras, versos e ideias, o Joquinha tira fotografias com uma máquina velha e junta dinheiro para comprar uma máquina de filmar. (Se fosse amigo do Brocas já tinha uma por um preço de amigo...)
Esta inimizade entre os dois é uma questão de orgulho, no fundo sabem que se unissem esforços conseguiam criar um ‘centro criativo’ ou um ‘centro de reflexão cultural’ no Bairro do Aleixo, onde seriam os indiscutíveis mentores do pensamento artístico entre a vizinhança. Sabem que só assim conseguiriam inscrever-se definitivamente na história da cidade, ou do Bairro. Podiam até pedir ajuda à Flor do Aleixo, e trocar algum trabalho na campanha eleitoral por um bom apadrinhamento junto dos meios políticos da cidade.
A verdade é que nenhum dos dois quer dar o braço a torcer. E mal a ideia de reconhecimento no difícil mundo artístico da cidade lhes aflora ao espírito, depressa a reprimem em prol do grande gesto criativo marginal. Há uma frase de autor desconhecido que ambos citam de cor nestas circunstâncias, sempre sem o outro saber: ‘A mãe de todo o gesto artístico é o sofrimento e não o reconhecimento. Prefiro ser criador sem capital do que vendido ao capital dos criadores.’