Ruquinha das Milongas.
É um tipo engraçado. Magro, alto, aparência cuidada. É inteligente, gosta de falar e de ouvir as pessoas. Tem um sentido de humor duvidoso, mas eficaz. O seu passatempo preferido é passar os fins-de-semana a dançar. A sua grande paixão é o Tango, mesmo que às vezes pense noutras coisas. Também gosta de ritmos africanos e do calor das peles negras.
Sai de casa todos os dias de manhã cedo, apanha o trinta e seis para a Boavista e desaparece num dos edifícios de escritórios. Ao fim da tarde regressa, ou de autocarro ou de boleia com um amigo. Fecha-se em casa e ouve discos gastos, vozes graves e imagina pessoas. Imagina-se no meio de milongueros, numa praça porteña ao som do bandóneon.
Ao fim de semana calça uns sapatos pretos, de verniz e tacão, põe gel no cabelo, para parecer molhado, veste uma camisa preta e umas calças com pregas e transforma-se. A alcunha vem destes fins-de-semana.
O que mais o atrai no Tango é a virilidade dos passos, a sensualidade dos movimentos e as saias compridas lançadas ao ritmo da música. Às vezes tenta acompanhar uma ou outra canção, mas, como tem dificuldade no sotaque, desiste rapidamente.
Quando está triste ou o dia não está a correr bem, imagina uma milonga ou um passo de tango mais elaborado, pensa em Gardel ou na voz do Rivero e acalma-se.
Todos os anos reserva uns dias para viajar até Buenos Aires, sonha com o Abasto e com San Telmo. Nunca conseguiu lá ir. Tem uma estante cheia de livros com fotografias, letras de canções, histórias do tango. Numa gaveta guarda o seu maior segredo: uma camisa preta com folhos discretos e um frasco de brilhantina comprada na Vandoma para usar no dia em que puser os pés no Club Almagro. Guarda também religiosamente, embrulhado num lenço de linho branco, um livro com poemas do Horácio Ferrer. Uma primeira edição comprada na Internet. ‘Valioso, muito valioso’, costuma dizer sempre que o mostra a alguém.
Não nasceu no Bairro, mas depois de um conjunto de acidentes pouco felizes na sua vida acabou por cá vir parar. Ninguém sabe ao certo se ele consome heroína ou se apenas vende. Há quem afirme que o trabalho dele não tem nada a ver com isto e que gosta de viver cá porque é barato e está perto do rio.
Tem uma fotografia gigante da Amelita Baltar na parede do quarto.
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