Um ataque de primavera
O Brocas Gang tem andado calmo. Apesar das solicitações dos clientes habituais e da crescente procura, o frio intenso do início do ano fez com que algumas operações fossem canceladas e o grupo aproveitou também para descansar, para deixar a poeira assentar e fazer poucas ondas. ‘Um gajo tem que ter calma, não convém dar nas vistas. É deixar pousá-los... é deixar pousá-los...’
Um dos membros do grupo, o Migas, esteve doente, quase a morrer, com uma pneumonia. Dormiu uma semana inteira em casa de um primo, sem janelas, e o frio não perdoou. O Brocas chegou mesmo a ir fazer-lhe uma visita ao hospital e prometeu, caso ele ficasse bom, uma maior participação no negócio. O Migas curou-se mas ainda não soube da promessa do Brocas.
Algumas das estratégias de acção mudaram. Tentaram uma aproximação à loja do Pirolito. Não queriam entrar no negócio do tráfico, mas dava-lhes jeito usar algum do capital do Pirolito para uns investimentos especiais, de lucro garantido. O Pirolito até alinhava, tem liquidez e precisa de fazer circular umas milenas que tem há muito tempo paradas. Infelizmente não chegaram a acordo.
Há poucos dias reuniram-se novamente à mesa do café. Discutiram a bola, os consumíveis do mestre Mourinho, ‘não sei como é que ele se safa lá, aqui um gajo arranjava-lhe sempre do melhor!’, ‘Iá, mas lá gajas não faltam!’
Depois de várias rodadas de finos o Brocas chamou a atenção para o fundo de maneio do gang. ‘Estamos a ficar lisos. Precisamos de começar a dar-lhe outra vez. Alguma ideia?’.
Levantaram-se os três quase ao mesmo tempo, pagaram os finos, compraram tabaco e subiram a rua.
O Augusto foi o primeiro a parar, encostou-se a um Rover verde, de matrícula recente. O Brocas parou a seguir para inspeccionar um Renault preto, estacionado em sentido contrário. O Migas ainda fragilizado continuou a caminhar e pegou num paralelepípedo de granito e fez sinal para uma carrinha Audi, de cilindrada considerável, parada junto ao contentor do lixo. A rua estava calma e ninguém ouviu nada.
No dia seguinte foi possível comprar uma colecção de trinta cds, com caixas originais; dois relógios; uma mala de senhora de uma marca francesa cara; dois auto-rádios já devidamente descodificados; uma cigarreira de prata, feia como as cobras, mas valiosa; alguns cartões de crédito possivelmente já desactivados mas ‘nunca se sabe’ e outras insignificâncias para usar como bónus.
Quem encontrou dinheiro guardou-o e não disse nada aos outros. ‘Receitas secundárias, insignificantes. Cada um fica com o seu.’ É uma regra do grupo.
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