No Bairro do Aleixo

quarta-feira, março 16, 2005

Irmãos

‘Foda-se, está ali a polícia!’, Artur muda de direcção e encosta-se ao muro. Espera que a polícia resolva os problemas e se vá embora. Não pode ir às compras enquanto as carrinhas estiverem estacionadas ali.
Artur é ligeiramente mais magro do que o Pato, e essa é quase a única coisa que os distingue. Chegaram ao Bairro há poucas semanas. Ninguém sabe quem são nem de onde vieram. Dizem-se irmãos e, tirando a proximidade aparente de idades, nada nos faz duvidar disso. Usam barbas grandes, casacos largos e várias t-shirts sobrepostas. O cabelo e as olheiras tapam-lhes os olhos, parecem estar sempre fechados.
São um tipo novo de pessoas no Bairro: afáveis e calmos, nunca correm, nunca ficam ansiosos com a ressaca. Não falam com muita gente, fazem os negócios com discrição e caminham sempre com o olhar fixo no chão, como se procurassem algum objecto perdido. Estão sempre a procurar alguma coisa. São, acima de tudo, alcoólicos e passam os dias com uma garrafa de vinho nas mãos, quase sempre vazia. Quando um deles tem dinheiro divide-o com o outro. Um vai à primeira torre comprar bases, o outro vai ao minipreço comprar vinho. Sentam-se no passeio, bebem, fumam. Dormem à vez num monte de cobertores, a única coisa que traziam quando chegaram ao Bairro.
Não ocuparam o lugar de ninguém, não quiseram ser ‘amigos’ de ninguém. Estão sozinhos e gostam disso. ‘Safamo-nos bem assim. Não arranjamos problemas e ninguém nos chateia. Há espaço para toda a gente aqui.’ Disse-me há dias o Pato.
Não arrumam carros e são incapazes de assaltar alguém ou de pedir moedas. Ninguém sabe onde arranjam dinheiro.