No Bairro do Aleixo

terça-feira, abril 05, 2005

Júlia III.

Saiu de um táxi letra A. Tirou uma mala grande, cara, daquelas quadradas e resistentes, com rodinhas. Já não vinha ao Bairro há vários meses. As primas pensaram que se tinha mudado definitivamente. Arrumaram o quarto dela e puseram um anúncio em vários cafés das redondezas. Não apareceu ninguém para ocupar o quarto e a caixa com a roupa dela ficou a acumular pó num canto com humidade.
Entrou em casa, pagou a sua parte da renda em atraso e fechou-se no quarto. Não falou durante vários dias. Um rapaz desconhecido foi visitá-la algumas vezes.
Saiu à rua a primeira vez ontem. Já não é orgulhosa. Já não responde quando lhe mandam piropos. Já não lhe mandam piropos. Engordou, envelheceu, deitou fora as mini-saias, as blusas decotadas, deixou de pintar o cabelo. Ofereceu-se para mulher-a-dias e outros serviços. Não quer pôr anúncios no jornal. Prefere engatar na rua, durante a noite. Baixou os preços e trabalha mais para ter a mesma receita. Quando pensa no Jim, já não é com desprezo, mas com saudade. Dentro de algumas semanas vai dar entrada nas urgências do Hospital de Santo António.
A recepcionista ou a gerente de uma pensão na baixa vai responder na polícia: ‘Foi encontrada na cama. Sangrava muito. Entrou na pensão ontem ao fim da tarde com um homem. A empregada, de manhã, bateu à porta para mudar os lençóis. Ele saiu de madrugada. Não deixou identificação. Normalmente não pedimos. Ela é conhecida. Levava para lá quase todos os clientes. O quarto ficava só para ela toda a noite. O primeiro normalmente era por volta das seis ou sete da tarde. Talvez uns três ou quatro por noite. Nunca entrou com mais do que um.’