No Bairro do Aleixo

sábado, maio 21, 2005

As ficções e o Bairro do Aleixo.

A Comissão de Moradores, Traficantes e Outros Negociantes do Bairro do Aleixo reuniu-se de emergência para discutir e analisar as consequências das notícias que recentemente têm sido divulgadas a propósito do Bairro.
A sessão abriu com uma nota de louvor a todos os habitantes, sem excepções, por ‘finalmente o Bairro do Aleixo, o nosso tão querido Bairro do Aleixo, estar nas bocas do mundo. Todo o país ouve falar de nós ultimamente.’
As inúmeras notícias que têm aparecido nos jornais, nas rádios e nas televisões já fizeram aumentar as vendas em cerca de 60%, levando à abertura de várias filiais da Torre Um nos bairros vizinhos, para que seja possível atender todos os clientes.
Houve no entanto uma notícia de um jornal que causou muita indignação aos membros da Comissão. Nesta notícia referiam-se como verdadeiras, histórias inventadas, pessoas fictícias e factos falsos.
‘A ansiedade de busca da verdade, que não é em si mesma censurável, levou o jornal a publicar um rol de ficções quase tão grande como os delírios causados pelas nossas melhores substâncias’, explicou um dos coordenadores desta reunião.
Foram distribuídas cópias das cinco páginas da notícia, com fotografias de pessoas que nunca puseram os pés no Bairro do Aleixo.
‘Temos que fazer alguma coisa em relação a este abuso. Agora que toda a gente nos conhece e gosta de nós, lembram-se de inventar estas mentiras e esperam que a gente fique de braços cruzados. Não pode ser assim.’, declarou um elemento da comissão que ficou muito ofendido por uma das personagens mencionadas na reportagem ter um nome idêntico ao seu.
Segundo o jornal, um diário bastante lido na região, especialmente em cafés com finos bem tirados e sandes de presunto com sabor a plástico, um jornalista inseriu-se na nossa comunidade – ‘como se isso fosse possível!’, disse alguém – contactou com pessoas, fez perguntas e ouviu histórias. Ou seja, criaram uma obra de ficção cujo resultado são cinco páginas de literatura razoável, onde os autores mostram com criatividade, sentido de humor e imaginação um Bairro do Aleixo que não é o verdadeiro. ‘Um belo exercício, com muito valor... Ainda por cima estes tipos nunca cá estiveram’, concluiu o orador depois de explicar, em linhas gerais, o conteúdo da reportagem.
Não podemos esquecer que depois de alguns acontecimentos mais trágicos, que recentemente marcaram a imagem do Bairro, a imaginação das pessoas despertou e todo o país quer saber novidades sobre este pacato conjunto de cinco torres residenciais, onde se vive, se trabalha e se negoceia muito tranquilamente durante quase todo o ano. Assim, é compreensível o desejo de criar uma imagem fantástica, de inventar histórias e personagens que despertem a curiosidade dos leitores de jornais e de outros meios de comunicação rápida.
Por tudo isto a Comissão decidiu não fazer nada em relação a esta falsa notícia, nem mesmo denunciá-la publicamente. Pelo contrário, emitiu uma nota para as redacções agradecendo a todos os jornalistas, fotógrafos, operadores de câmara, produtores de conteúdos e outros intervenientes, a atenção recentemente dispensada ao Bairro do Aleixo e toda a energia e talento criativo que têm colocado neste assunto.
Em forma de advertência, pode-se ainda ler neste comunicado à imprensa ‘Apesar do nosso reconhecimento, é melhor terem muito cuidadinho com as histórias futuras, não vá a ficção ir longe de mais e perturbar a nossa rotina comercial.’

2 Comments:

  • Bem organizados sim senhor, com clientes fieis e movimento controlado, ao ponto de reconhecerem a ilegitimidade dos entrevistados.

    deviam era considerar a hipotese dos verdadeiros moradores/clientes não querem ser reconhecidos.
    Essa é que é essa...

    By Anonymous Anónimo, at 1:38 da manhã  

  • Algumas notas:
    1. Os clientes nunca são fieis. São mais ou menos regulares.
    2. Os entrevistados da referida notícia, como se mostrou na reunião da comissão, não existem e não foram sequer entrevistados (foi tudo ficcionado), pelo que a questão da legitimidade não é sequer colocada.
    3. Tão pouco se colocou a hipótese de os moradores/clientes cá do Bairro quererem ser ou não reconhecidos. Pelo menos nas reuniões em que participámos. Isso é outro assunto.
    4. Essa é que é essa, my friend.

    By Anonymous Anónimo, at 4:03 da tarde  

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