No Bairro do Aleixo

quinta-feira, novembro 11, 2004

Pedro quase apaixonado

Finalmente. O amor chegou ao Bairro do Aleixo.
O Pedro fechou-se em casa. Num leitor portátil, adquirido com a ajuda de ‘uns amigos’, pôs um disco do Jimmy Scott em repeat, fechou as cortinas. Abriu uma garrafa de vinho tinto barato e meditou.
Ao fim da terceira repetição acendeu um charro, abriu outra garrafa de vinho e um chocolate com nozes. Escurecia no Bairro. Em Novembro as tardes são curtas.
.
Encontrou-a por acaso numa livraria na baixa. Ele nunca entrava em livrarias. Estava à porta, a olhar para a capa de um livro com muitas cores, distraído. Ela chegou e ele viu a sombra dela na montra, viu as mãos, os braços, a curva da camisola vermelha, o cabelo a tocar no pescoço, o sorriso, os olhos claros, grandes.
- Conheces este livro?
- Não, mas pela capa parece ser muito mau.
Ele concordou e ficou sem saber o que dizer.
- Querias comprá-lo?
- Não, estava só a pensar como seria. Eu não leio muito. Nem sequer a Bola. Não tenho tempo.
- Porquê? Tempo tem-se sempre. Desde que tenhas vontade.
- Pois. Então não tenho vontade.
Ela mostrou intenção de continuar a caminhar.
- Espera. Queres... tomar um café? Estava a pensar sentar-me ali, aproveitar o sol.
- Está bem. Não tenho nada para fazer por enquanto.
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Sentaram-se com café e água com gás. Queria convidá-la para jantar mas não sabia como. Nunca tinha feito isso, nem sequer tinha dinheiro para pagar a conta. Pensou em dar uma corrida ao Bairro, cravar alguém, vender uma torradeira, traçar uma quarteira. Falaram. Ela falava mais, muito mais. Ele gostava de a ouvir e sentia-se bem. Foi quase como uma história, estar ali sentado com uma rapariga bonita, a escutá-la com todo o seu corpo.
Já passaram dois dias e o disco do Jimmy Scott ainda não parou. Ele sabe pouco inglês mas já decorou a letra do I’m getting sentimental over you. Enquanto dorme murmura o nome dela e não sabe como a pode encontrar outra vez. Entre uma garrafa de vinho e um cigarro pensa esperá-la no mesmo sítio, procurar na lista telefónica o número dela, colar cartazes na rua, falar com amigos, fazer um retrato robot, transmitir uma mensagem pela rádio, tomar conta de um satélite, amarrar-se na Ponte da Arrábida com um cartaz a dizer ‘Amanhã no mesmo sítio, à mesma hora!’
Adormece a pensar nela.

2 Comments:

  • de fatiminha.blogspot.com
    helder, adoro o teu blog

    By Anonymous Anónimo, at 4:26 da tarde  

  • muito bom, muito bom!
    Já acabaram as entusiasmantes histórias do Aleixo?

    By Anonymous Anónimo, at 1:27 da manhã  

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