Brocas.
Não é criminoso. Cresceu longe daqui, num bairro doutra cidade. Por necessidade profissional e exigências afectivas mudou-se para esta zona do Porto há dez anos. Era um jovem de sucesso e desenvolveu uma intensa vida social à volta e dentro do Aleixo. Para tal contribuíram pequenas acções de tráfico, um ou outro favor para desenrascar amigos em apuros e um ajuste de contas com um tipo da Biquinha que lhe valeu uma cicatriz no lábio.
Todos conheciam o seu carro vermelho de alta cilindrada, todos gostavam de saber onde ele ia aos fins-de-semana, todos queriam ser seus amigos e convidados para os mesmos after’s dos domingos de manhã. E ele gostava que assim fosse: gostava de ser admirado pelo seu carro, pelas suas amantes e pela sua atitude.
Dava sempre um toque de mistério a tudo o que fazia. Aos domingos à tarde sentava-se no café, jornal aberto e fino na mesa, a conversar distraidamente com alguém. Às vezes deixava cair um segredo, um nome de um lugar desconhecido, fazia alguns telefonemas com poucas palavras e calava-se quando lhe faziam perguntas.
Foi despedido recentemente, depois de ter sido acusado de assédio sexual e de comportamento violento por alguns colegas de trabalho. Já tem mais de trinta anos e a força de vontade não é a mesma. O Bairro do Aleixo também está diferente: há mais pessoas de fora a circularem por aqui; muitos dos seus amigos desapareceram, morreram, mudaram-se; os habitantes mais antigos estão tristes e já não sorriem como antigamente; ele próprio já não consegue suscitar curiosidade nem admiração; há prédios a crescer à volta do Bairro; fala-se em demolições e o Aleixo anda deprimido. O Brocas anda deprimido.
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