Michele II.
É visto frequentemente no Café Caetano. Todos os clientes o conhecem, mas fingem não o ver. Principalmente se estiver vestido para ir trabalhar. Quando regressou ao Bairro era tratado como um estranho, um dos de fora.
Nessa altura só se sabia de quem era filho e tinham uma vaga ideia dele há uns anos atrás: mais novo, diferente, com outro sorriso. Sabiam que tinha sido traficante mas o dado era pouco relevante para o contexto geral. Fornecia os travestis que se prostituem na Baixa em regime de monopólio. Um dia foi preso – um ano em Paços de Ferreira e mais dois anos de pena suspensa – não por tráfico, mas por ter espancado violentamente um rapaz que queria vender heroína na mesma rua que ele. Saiu da cadeia e nunca mais voltou para casa dos pais. Foi viver com o Marco, um amigo que conheceu na prisão. Deixou o negócio e começou a cantar no Sindicato. Fez um implante no peito. Deixou crescer o cabelo e pintou-o de loiro. Comprou discos da Marilyn e decorou todas as letras. Uma vez por outra consentiu em dormir com homens mais velhos. Só em hotéis. Dizia ao amigo ‘este mês gastei dinheiro a mais com o cabelo’. Pouco mais se sabia dele. As notícias vinham dispersas e os pais não falavam dele. Agora comenta-se que está doente. O seu amigo Marco morreu há um ano.
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