No Bairro do Aleixo

terça-feira, outubro 05, 2004

Michele.

Ou Miguel. Era um rapaz simpático, com muitos amigos. Vivia na última torre e quase nunca passava pelo meio do Bairro: quando saía de casa descia para o rio ou caminhava pelas Condominhas. Há seis anos foi morar para a Baixa, em casa de um amigo. Agora, com quase trinta anos, regressou. ‘Os meus pais estão velhos, precisam de mim.’
Fuma cigarro atrás de cigarro enquanto olha para a rua, sentado numa mesa do Café Caetano, pensativo. Tem o cabelo comprido com madeixas ruivas, olhos negros e unhas postiças, muito compridas. No rosto vêem-se ainda as marcas da noite anterior. Não se pintou ainda. Saiu de casa a correr. ‘Uma amiga tocou-me à campainha e pediu-me ajuda, quando cá cheguei a polícia já a tinha levado. Filhos da puta.’
Uma rusga. E logo de manhã, bem cedo. Ultimamente tem havido mais. Prendem para identificação quem encontram com mais do que uma dose, quem não consegue fugir rapidamente pelas escadas. ‘Ela volta! Isto é quase um ritual: escrevem o nome num impresso, mandam-nos ao médico e eles depois voltam para curar a ressaca.’
Michele, como gosta que lhe chamem, trabalha num bar na Baixa: ‘cantora e bailarina!’ Consome poucas drogas, quase sempre cocaína. Diz que já não tem idade para outras coisas e que consegue controlar-se. ‘O corpo não se compadece com excessos e eu preciso do meu para trabalhar. Os meus pais só me têm a mim.’
Quando está no Bairro do Aleixo tenta ser discreto, veste-se sem exuberância para não chamar a atenção. Já não tem amigos aqui. ‘Vêm cá quase todos, uns com mais frequência do que outros, mas não vivem cá. O Bairro, ainda assim, é um sítio pequeno.’