João III.
O mau tempo traz sempre preocupações acrescidas para os habitantes do Bairro. Ele estava habituado aos dias de sol. Foi o melhor Verão dos últimos anos. Uma relação passageira, nenhum internamento. Não teve nenhum problema com a polícia desde Fevereiro passado e os contactos com a família eram inexistentes. Conseguia sempre, com mais ou menos dificuldade, o dinheiro necessário para cortar as ressacas. A última vez que o vi, antes de hoje, estava a conversar com a Sofia, junto à vedação do terreno baldio. Não falei com ele.
Ninguém sabe contar o que aconteceu, nem as razões que o levaram a subir até ao sino da igreja. Disseram apenas que viram alguém lá em cima ao fim da tarde, estava a escurecer.
Quando chegou o carro do INEM já era demasiado tarde. Dez segundos depois da queda já era demasiado tarde. A única coisa que se sabe com toda a certeza é que, quando o relógio deu as onze horas, ele caiu. A cabeça bateu nos degraus da escada da igreja. O corpo ficou estendido no passeio, dobrado. Não interessa muito o estado em que ficou, mas alguém citando o médico disse ‘ele partiu-se todo.’
Ainda há uma mancha vermelha que não se conseguiu tirar muito bem. Sai com o tempo e com a chuva. Foi necessário avisar a família.
2 Comments:
Os textos que escreves são de tal forma cortantes, que é complicado qualquer comentário. Sabemos que é uma realidade bem perto de nós, mas que teimamos em não ver e vamos vivendo no "faz de conta", enquanto certos destinos, apesar de próximos, não são dentro das nossas portas ou das nossas famílias.
(Tripeira)
By Anónimo, at 2:31 da tarde
Um voo para a Morte ao fim da tarde. Talvez uma Ave sem ninho, sem Presente e com medo do Futuro...
Inês F.
By Anónimo, at 12:26 da manhã
Enviar um comentário
<< Home