Joquinha das Claquetes.
Mudou-se para o Aleixo há poucos meses. Era um jovem de boas famílias, com um futuro promissor. Até tirou um curso superior. Queria ter entrado numa escola de cinema mas não conseguiu. Tentou um curso de literaturas mas depois percebeu que a sua verdadeira vocação era ensinar português a adolescentes. Queria mudar o mundo, sair ‘da porcaria deste país’, ser uma pessoa diferente. Era um apaixonado: por literatura (do Júlio Dantas à Laurinda Alves), por cinema (citava os clássicos, os que viu e os que não viu), por música (só comprava roupa depois de devidamente testada em video-clips de bandas inglesas) e, secreta e inexplicavelmente, por insectos. Era um rapaz com estilo: caminhava com estilo, falava com estilo, olhava com estilo.
A sua carreira de professor teve um bom início, mas entrou em declínio por ter assediado alunas do 5º ano. Foi discretamente expulso de uma escola C+S. Descobriu as drogas. Nunca mais quis descobrir outras coisas. Ainda é um romântico e já aconteceu sentar-se com o Pedro a uma mesa de café e trocarem alguns elogios. Dão-se bem e até já partilham alguns riscos.
Não é um drogado convicto. Não se injecta porque tem medo de agulhas, o que lhe dá uma espécie de vantagem em relação aos amigos do Bairro. Orgulha-se de estar quase limpo, de não ser um viciado, de se conseguir controlar e de ter vários empregos.
Faz biscates como copydesk em ‘editoras alternativas e marginais’, faz revisão de provas para o jornal Família Cristã e para o jornal DICA, a newsletter de uma cadeia de supermercados. Às vezes diz que é escritor, outras assume-se como jornalista, também já afirmou estar com ‘umas cenas sobre cinema, eu e uns tipos que conheço, vai ser demais.’
O seu entusiasmo pelo cinema já o levou a trabalhar na bilheteira de um multiplex. Falava apaixonadamente com o público, nunca deixava de dar a sua opinião sobre um filme. Foi despedido depois de ter convencido cinco pessoas a não comprarem bilhete porque o filme não era bom, ‘muito convencional, demasiado hollywoodesco!’ Ninguém sabe muito bem de onde lhe vem o nome, diz-se que quando chegou ao Bairro mostrava orgulhosamente uma colecção de claquetes em miniatura, algumas eram réplicas das usadas em filmagens históricas, tinha até uma assinada pelo Antonioni que nunca mostrava a ninguém ‘só quem conhece os filmes é que pode ver isto’. Depois vendeu tudo por cinco contos num dia menos bom. Quando o encontro está quase sempre sentado no café, um cimbalino meio vazio na mesa, o jornal aberto, um caderninho sujo para tirar notas ou assentar pensamentos e um ar pensativo a penetrar o infinito! ‘É um poeta’, sussurra a rapariga do café com quem mantém uma relação clandestina, porque o pai dela não podem saber. Ela não é do Aleixo.
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