No Bairro do Aleixo

sexta-feira, junho 25, 2004

Negócios em movimento

Há algum tempo comecei a reparar numa velha carrinha branca estacionada quase todos os dias em cima da curva, junto aos contentores do lixo. Era conduzida por um homem gordo e sujo, acompanhado por outro homem mais velho com um bigode que dava vontade de rir.
Em dias de futebol, era possível ouvir o relato no auto-rádio da carrinha. Às vezes concentravam-se duas ou três pessoas de ouvido alerta. Ao domingo ouviam a sessão matinal da Rádio Renascença, a emissora oficial do Aleixo, davam um pulinho ao café para beber um copo, fumar um cigarro e, durante a tarde, espreitar o programa de música portuguesa. Tirando isto, trabalhavam sempre.
Pelo que pude observar, a carrinha estava cheia de frascos e de outros pequenos objectos. Os dois homens mexiam nos frascos com atenção e cuidado, usavam uns objectos pequenos para movimentar outros objectos pequenos e, pela atenção que dedicavam à função, podíamos imaginar dois artesãos nómadas a trabalhar em objectos para serem vendidos à noite no Passeio Alegre.
Mas estamos no Bairro do Aleixo e missangas é coisa que nunca se vendeu por aqui, nem é habitual fazerem-se tranças no cabelo, daí eu ter facilmente concluído que dentro daquela carrinha funcionava uma pequena unidade de transformação de estupefacientes, subversiva e alternativa às existentes nas torres do Bairro.
Enganei-me nesta conclusão.
Informaram-me que a carrinha não se dedica apenas à transformação de estupefacientes. É apenas o primeiro modelo de um projecto-piloto testado no Bairro para, posteriormente, ser implementado noutros pontos da cidade. Ou seja, trata-se de uma carrinha equipada para dar assistência na reparação de pequenas avarias domésticas, tais como entupimentos, curto-circuitos, electrodomésticos avariados, arranjos de portas e fechaduras, entre outros. Para além desta utilidade também tem a possibilidade de transformação de estupefacientes integrada nos equipamentos instalados, mas esta actividade é secundária e tem como único objectivo a aproximação das duas facções de habitantes do Bairro, ou seja os negociantes e empresários individuais que se dedicam ao tráfico e os trabalhadores por conta de outrem que têm outras áreas de actividade.
Informaram-me ainda que agora já circulam várias destas carrinhas pela cidade e que se está a tentar estender o programa a outras cidades. Dizem que é uma medida extraordinária para ‘a integração dos traficantes em actividades mais úteis à sociedade, para a recuperação de carrinhas abandonadas ou em mau estado de conservação e ainda uma contribuição para a redução do custo da mão-de-obra no que diz respeito a reparações domésticas’.