No Bairro do Aleixo

sábado, maio 15, 2004

João.

Pode ser visto quase diariamente na rua. Tem cerca de trinta anos, uma cabeleira loira e barba grande, escurecida pela sujidade. Há duas horas atrás espetou uma seringa no braço e ficou com o olhar frio preso no reflexo do seu corpo numa porta de vidro. Olhei para ele e disse ‘boa noite’. Pediu-me desculpa por estar ali ao mesmo tempo que, com um gesto firme, pressionava a seringa e deixava cair o braço. Sentou-se num degrau com a cabeça entre as mãos e o seu corpo estremeceu. Pareceu sorrir. 'Parece que tenho uma faca a rasgar os músculos.', disse. Reparei nos seus braços, nas mãos grossas e no olhar mais ou menos distante, mais ou menos azul, vago, como se nada existisse a mais de um metro de distância. Perguntei se aquilo era bom. ‘O quê? Esta droga?’ ‘Não, a sensação!’ ‘Uma dose por dia é obrigação, a segunda é prazer. A segunda é sempre boa.’ Não falámos mais depois disto.
Vi-o pela primeira vez na Baixa a arrumar carros. Não sabia que era do Bairro. Talvez não more aqui e venha cá há muito pouco tempo. ‘Mais tarde ou mais cedo todos passam pelo Aleixo’, ouvi um dia num café. O Bairro do Aleixo é inevitável.