A Primavera no Bairro
Até há quem se sinta mais alegre, mais excitado. Noto um aumento de afluência de carros e de pessoas a pé. Os novos edifícios ao fundo da rua já estão habitados e trazem algum movimento saudável ao Bairro. Há pessoas que não fazem compras a circular. É importante lembrar que o Bairro do Aleixo tem duas faces distintas, mesmo que concorrentes: as pessoas que vivem no Bairro e nas ruas envolventes e as pessoas que não vivendo aqui, passam cá os seus dias ou, pelo menos são presenças assíduas nas entradas dos prédios, nos poucos baldios que ainda existem, nas ruas e nos passeios. Dentro destas há ainda presenças mais ou menos assíduas, algumas que eu reconheço outras que me parecem sempre novas, sempre diferentes. Mas isso também tem a ver com os cabelos e com as barbas que crescem e escurecem.
Até há bem pouco tempo, antes de abrirem a nova rua junto ao edifício do centro comercial, que liga a Rua do Campo Alegre aos novos edifícios, as pessoas que cá vinham comprar alguma coisa paravam o carro junto à igreja ou na curva, junto ao muro do quintal da igreja, nas Condominhas. Desciam a pé até ao Bairro para depois voltar. Era também normal esperar na rua, lá em cima, alguém vinha ter com eles e tratavam do negócio. Agora, com uma nova ordem na circulação de carros e de pessoas o centro do movimento passou mais para baixo, mesmo junto à primeira torre. Apesar dos novos edifícios terem seguranças vinte e quatro horas por dia, eles não interferem no movimento habitual. Alguns estão até a estudar formas de potenciar rendimentos extraordinários através da rentabilização da proximidade que têm com os edifícios sede do Bairro.
Estava a falar do aumento de frequência de pessoas no início da Primavera. É fácil de prever um maior movimento de clientes ao fim de semana e em noites de lua cheia. Quando chove o negócio não é bom. Quando há notícia de alguma grande apreensão de estupefacientes, os clientes amontoam-se mas não há mercadoria. Há sempre uma explicação mais ou menos lógica para as flutuações de mercado no Bairro. É só preciso estar atento e falar com as pessoas especialistas na análise dos movimentos.
O factor importante que justifica o aumento do número de pessoas que procura o Aleixo, agora, é a Primavera e o calor. O ar fresco do rio e do mar ajuda à criação de uma mística em torno do Bairro. As noites começam a ser mais agradáveis. Tenho pena de ultimamente não ter muito tempo disponível para estar a par das novidades do mercado. Chegou-me aos ouvidos que a heroína está a aumentar de preço e que a cocaína, pela crescente oferta está a baixar de preço. Até agora o que mais se procurava era heroína e, quando muito, bases de coca. Têm havido alguns esforços concertados dos vários estados exportadores e produtores de coca para que o preço baixe e assim aumente o consumo. Só com muita procura é possível justificar os acordos com os governos importadores. Marquei uma viagem à América do Sul para investigar in loco este fenómeno. Vou tentar falar com os responsáveis, ou pelo menos com pessoas próximas dos responsáveis, das grandes manufacturas bolivianas e colombianas. Também se está a assistir a um fenómeno de preparação para o Euro 2004. A grande afluência de turistas e consequente aumento da procura não pode deixar de ser aproveitada pelos retalhistas e pequenos comerciantes. Para isso é necessário criar reservas. Disseram-me que o esforço para criar reservas vai fazer com que nos meses que antecedem o campeonato, principalmente Maio, vai ser mais difícil e mais caro encontrar boa mercadoria. Os grandes armazenistas vão-se retrair na oferta para não serem apanhados com stocks em baixo na altura do campeonato. Isto também explica de certa forma o aumento da procura agora. Há ainda outro factor a ter em conta: durante o campeonato de futebol as fronteiras vão estar fechadas, pelo que será mais difícil e, acima de tudo, mais demorado trazer a mercadoria para Portugal.
Espero analisar mais calmamente estas flutuações de mercado e os fenómenos a elas associados no futuro.
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